Surgiu no ano passado mais
um novo e interessantíssimo livro de Frans de Waal, «Our Inner Ape», Riverhead
Books, 2005 que demonstra como o altruísmo desinteressado se encontra intimamente
inscrito na nossa herança biológica.
Uma fêmea bonobo, kuni, vê um estorninho ir ao encontro de um vidro. Ela
pega delicadamente o pássaro em estado de choque e põe-lo em pé. Como ele
não dá de si, ela dá-lhe um impulso, mas apenas se limita a mexer nas asas.
Kupi sobe então à árvore mais alta das proximidades, sem ajuda das mãos
que estão ocupadas com o pássaro. Com cuidado, ela afasta as asas, cada
una numa das suas mãos, e em seguida lança-o no ar tal como uma criança
faz comum avião de papel. O estorninho poisa no chão. Kuni desce da árvore
e cuida dele. À noite, o pássaro bate as asas e vai-se embora.
Frans de Waal já tinha relatado esta história no seu livro anterior que
consagrara aos bonobos. Fala-se mais uma vez da perturbante proximidade
destes primos dos chimpanzés. Ao longo das suas obras, o conhecido primatólogo
trata e aprofunda a ideia central que ele desenvolve nas suas pesquisas
desde a sua obra de 1982, «A política do chimpanzé»: as características-base
dos nossos comportamentos individuais e colectivos estão já presentes nos
animais que mais se aparentam connosco.
Situados à mesma distância de nós na árvore da evolução, chimpazés e bonobos
são entre si diferentes como é a noite para o dia. Na realidade eles incarnam
os dois pólos do «macaco bipolar» que nós somos. O nosso lado chimpanzé
traduz-se nas pulsões de dominação masculina, no culto da competição, a
tentação da violência, mas também na arte da reconciliação política. O nosso
lado bonobo traduz-se na cultura do hedonismo, do amor e da paz.
De Waal trata destas questões com elegância e clareza. Em tom de conversa
amena as quatro parte em que se divide o seu novo livro «Our Inner Ape»
( trad. Francesa, «Singe intérieur») - poder, sexo, violência e bondade
oferecem um síntese dos conhecimentos sobre aqueles dois nossos primos
e, ao mesmo tempo, um grelha de leitura do mundo contemporâneo.
Uma das suas teses mais interessante é que tem sido o sucesso indiscutível
do capitalismo que explica porque é que os seres humanos têm super-investido
numa ideologia neo-darwinista algo idiota, e que nos leva a negligenciar
e a subestimar o valor e aforça das forças altruístas, as quais estão inscritas
no nosso património biológico e que nos tem moldados ao longo da noite dos
tempos.
Multiplicando os exemplos, retirados da observação não só dos bonobos mas
também dos chimpanzés, Frans de Waal demonstra de forma convincente que
o altruísmo desinteressado está inscrito na nossa herança biológica, tanto
quanto a competição pela «sobrevivência do mais apto».Já presente nos macacos
mais longínquos e até mesmo nos mamíferos como os elefantes e golfinhos,
esta propensão foi reforçada nos grandes primatas, pela faculdade de se
reconhecerem num espelho.
A empatia está já presente no cão, por exemplo, mas a consciência de si,
nascida da hipertrofia do neo-córtex, abre a via à representação fina do
que se passa no espírito do outro. Assim como à faculdade de vir em ajuda
do outro, mesmo se este não tem nada a oferecer em troca.
Autor: Olivier Postel-Vinay
Texto surgido no nº393, Janvier de 2006 da revista La Recherche ,
l’actualité dês sciences